Da elaboração da ficha do Heitor, o cidadão rico

Kallipolis: o jogo dos governos
4 min readSep 29, 2021

Heitor apoia o candidato: Oligarca

As características gerais de Heitor consistem no seguinte:

“Dinheiro é o mais importante valor e, claramente, os cidadãos que possuem muito dinheiro, como eu, são superiores; de forma que o mundo deveria funcionar de acordo com a nossa vontade. Na verdade, o mundo já segue as regras do dinheiro: se você pode pagar, seu desejo será realizado. O que falta é os outros cidadãos entenderem como a realidade funciona: com o dinheiro”

Heitor foi criado de forma a fazer parte da seção dos cidadãos que compõem a democracia que o diálogo caracteriza como econômicos, sendo estes os que enriquecem mais fácil (VIII, 564c13–565c8). Esse grupo, ao se incomodarem com a ação do democrata de pegar parte dos bens dos ricos para distribuírem uma fração para o povo, guardando outra para si, são taxados de oligarcas e, com o tempo, acabam aceitando e incorporando esse rótulo.

Nesse sentido, enquanto Dário aplica os valores do oligarca à pólis, Heitor é a incorporação absoluta de suas características: ele é avarento, preocupado com a preservação e aumento do seu tesouro individual e deseja que a cidade siga seus mesmos valores, em vista de conseguir privilégios por causa de sua grande fortuna.

Podemos perceber que as posições para o debate acerca da Educação, Saúde e Ginástica e das leis escritas são assim apresentadas na ficha de Heitor:

“Você acredita que o investimento nas três tem que ser o mais econômico possível”

“Você reconhece a importância delas, mas acredita que elas devem ser relativizadas se atrapalharem o acúmulo de riquezas”

Tais posicionamentos coincidem com os de Dário; no entanto, enquanto o candidato as defende para a pólis (devido às suas características gerais), Heitor as sustenta visando ele não ter que gastar suas riquezas no auxílio da Educação e Saúde da pólis, ou ter seu constante enriquecimento, por meio do acúmulo, limitado pelas leis.

Heitor não apresenta repúdio imediato às guerras:

“Você é a favor se forem trazer riquezas para a pólis, mas é contra se for gerar gastos excessivos”

Ele não pensa que elas necessariamente lhe trarão gastos particulares; talvez haja gatos para a pólis, mas ele não está preocupado com isso. Ele apenas se opõe caso os gastos cheguem a dimensões drásticas a ponto de ele ter que tirar do próprio bolso para ajudar a cidade.

Em seu posicionamento sobre as riquezas, podemos perceber Heitor consciente de que argumentar que os valores do oligarca deveriam ser implementados, visando seus interesses próprios, não necessariamente faria com que seus concidadãos o vissem com bons olhos:

“Você está preocupado em preservar e aumentar as suas riquezas, mas esconde isso dizendo que o acúmulo e preservação delas deve ser o foco de todos”

Assim, ele disfarça seus interesses verdadeiros, aplicando a importância que ele dá a sua própria avareza a uma falsa preocupação de que os outros tenham uma prosperidade econômica como a dele. Pensamos essa característica a partir da descrição de que o oligarca pode parecer virtuoso por controlar seus desejos, mas ele não o faz realmente em prol da virtude, mas sim para se preservar de gastos individuais; de forma que o oligarca não se importa de satisfazer desejos supérfluos se para fazê-lo a riqueza alheia que será gasta (VIII, 553a6–555b3).

Vemos Heitor novamente tentando disfarçar seu individualismo ressaltando a vitalidade de seus valores para o enriquecimento geral em seu posicionamento acerca da desigualdade de posses:

“Você é contra a distribuição de terras, mas, quando o assunto é abordado, você rapidamente muda de tópico ressaltando a importância da acumulação de bens”

Em seus posicionamentos sobre a prática da caça, os bárbaros e o comércio (respectivamente indicados em seguida), Heitor volta a se aproximar aos posicionamentos de Dário:

“Você é a favor da prática se ela não gerar muitos gastos para a pólis

“Eles são essenciais para o comércio, mas você é contra a pólis ter gastos com eles”

“É essencial para o crescimento e melhora da pólis, mas ele deve ser realizado com o objetivo de acumular bens”

Isso acontece uma vez que estes não exigiriam necessariamente o apoio econômico dele: ele não teria que pagar pela prática da caça de terceiros (talvez apenas a pólis); os bárbaros apenas o interessam com relação ao comércio, mas os gastos que eles podem provocar não refletiriam no tesouro dele; e o comércio é realizado individualmente, de maneira que Heitor cuidará dos seus próprios lucros ou riscos de prejuízo. Assim, Heitor dedica-se em apoiar seu candidato no decorrer desses temas, ressaltando como os valores da oligarquia pode auxiliar a pólis a acumular riquezas, em vista de prosperar.

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