Da elaboração da ficha do Nestor, o cidadão nostálgico

Kallipolis: o jogo dos governos
4 min readSep 29, 2021

Nestor apoia o candidato: Timocrata

Suas características gerais o apresentam como alguém que pensa da seguinte maneira:

“Nossa pólis está se deteriorando. Precisamos voltar aos bons tempos em que os nobres escolhidos pelos deuses reinavam! Deixar os homens escolherem quem lidera está deixando os deuses enfurecidos. Por isso, pretendo mostrar aos meus colegas cidadãos que a solução para os nossos problemas é voltar a respeitar a vontade divina, pois essa é a única forma de voltarmos a ter grande riqueza e sucesso nas guerras”

Uma vez que a timocracia é apresentada no diálogo como o modelo de governo que sucede à cidade ideal, na medida em que o jogo se dá em uma democracia, aquele que viveu em uma timocracia contemplou a perda da harmonia que a pólis uma vez teve. Nesse sentido, criamos Nestor: ele seria alguém que viveu na época da timocracia, contemplou a aplicação da lei oligárquica (que estabelece que apenas aqueles que têm uma certa quantidade de riquezas têm direito de participação política), testemunhou tal lei aumentar a quantidade de moradores de rua e batedores de carteira, viu homens de honra perderem todos os seus bens, vivenciou a guerra civil entre ricos e pobres, na qual a vitória destes últimos levou à democracia (VIII, 550c4–558c9).

Não há qualquer descrição de Nestor n’A República. Com efeito, criamos este personagem pensando em todo o processo de transformação de um modelo de governo em outro: Nestor teria vivido na timocracia que, sendo a mais próxima da cidade bela e, portanto, da virtude (IX, 580b-d8), foi a forma de governo mais feliz no movimento de passagem da timocracia, para oligarquia, e, então, à democracia. À vista disso, Nestor deseja que a pólis volte a esse modelo. O que o aproxima do timocrata e não o faz um defensor da implementação da cidade bela é sua crença de que quem deveria governar não deve ser selecionado pela natureza de sua alma que busca conhecimento, mas sim a família em que este nasceu; e, visando reforçar a importância da hereditariedade do líder da pólis para Nestor, atribuímos o motivo de tal crença a uma apelação divina.

Nas posições para o debate sobre a Educação, Saúde e Ginástica, e sobre a desigualdade de posses, onde se lê respectivamente:

“Você acredita que são direito daqueles que nascem destinados a uma boa vida: os nobres”

“É algo natural: uma vez que alguns são selecionados como superiores pelos deuses, naturalmente estes selecionados devem ter mais riquezas”

Vemos Nestor, confiante de que os valores do que uma vez foi a timocracia, quando aplicados, ajudarão na melhora da pólis. Apoiar que seus recursos devem ser voltados para a classe nobre permitirá a volta desse estado que lhe é tão querido.

De forma semelhante, quando se trata das leis escritas, Nestor reconhece sua importância; mas, novamente, acreditando que reiterar os privilégios da nobreza trará prosperidade para a pólis, acaba cedendo e relativizando o alcance das leis:

“Você reconhece sua importância, mas acredita que os nobres devem ter soberania sobre elas, podendo alterá-las de acordo com suas necessidades”

No posicionamento de Nestor sobre as guerras, e as riquezas lê-se, respectivamente:

“Você é a favor”

“Devem estar concentradas nas mãos dos nobres”

Como uma característica do timocrata são seus feitos guerreiros, Nestor é a favor de guerrear para que os nobres (que, no jogo, podem ser identificados com os timocratas) possam aumentar seu “currículo” e desenvolver seu talento militar. Nessa perspectiva, uma vez que o timocrata tem sua avareza favorecida quando as riquezas da pólis estão concentradas em suas mãos, Nestor posiciona-se no sentido de permitir que o timocrata tenha esse privilégio; acreditando que quando este governante viver uma vida autêntica à sua linhagem, a pólis voltaria a ser de acordo com a timocracia.

Tal concepção também tem influência no posicionamento de Nestor acerca da prática da caça:

“Você é a favor da prática pelos nobres, uma vez que eles terão tempo de fazê-lo, enquanto os inferiores têm de realizar suas tarefas para a pólis

Assim, como a caça é apreciada pelo timocrata, Nestor é a favor de sua prática, acreditando que quando os nobres voltarem a realizar suas atividades da forma que o faziam na timocracia, a prosperidade da pólis seria restabelecida.

Com relação aos bárbaros, Nestor pensa que

“Eles são inimigos apenas em tempos de guerras”

Apesar de reconhecer a importância das guerras para o fortalecimento dos talentos do timocrata, Nestor não acha necessário ver os bárbaros como constantes inimigos. Nesse sentido, na mesma maneira em que assumimos que, diante da ausência de uma especificação no diálogo da concepção que o timocrata tem dos bárbaros, Diógenes teria resquícios da cidade ideal, tentando dominar os inimigos apenas quando é necessário expandir, fizemos o mesmo com Nestor.

Semelhantemente, uma vez que desenvolvemos na ficha de Diógenes a questão do comércio como uma pequena alteração da concepção da cidade bela (enquanto nesta última o comércio é realizado quando há carência de produtos básicos, na timocracia, em vista da avareza do governante, o comércio é realizado visando riquezas) escrevemos um posicionamento concordante para Nestor acerca do comércio:

“Se for trazer riquezas para a pólis, você não é contra”

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